A geodiversidade é o conjunto de processos geológicos que resultam em características geomorfológicas, paleontológicas, mineralógicas e geológicas distintas. Por isso, fornece indícios para a compreensão da história do planeta Terra.
Dentro deste contexto, áreas com geodiversidade significativa se destacam como objeto de estudo nas geociências.
Devido tamanha importância, é preciso conservar esses locais e incentivar sua divulgação, para que possam ser entendidos como um patrimônio geológico.
A geodiversidade e os geossítios
Geossítios são áreas que se destacam por apresentarem aspectos geológicos singulares, tendo então relevância científica, educacional e turística.
Os geossítios são divididos nas seguintes categorias:
- paleobiológico ou paleontológico;
- paleoambiental;
- sedimentológico;
- geomorfológico;
- petrológico;
- estratigráfico;
- espeleológico.
Os geossítios como Patrimônio Geológico Nacional
O patrimônio geológico é representado por um conjunto de geossítios que possuem valor científico para a sociedade.
Existem três aspectos que devem ser observados ao determinar o patrimônio geológico:
- Educativo
- Turístico
- Científico
Os geossítios são na verdade salas de aula ao ar livre, que podem ser usadas para conscientização e educação ambiental em todos os níveis de escolaridade.
É preciso ainda lembrar que muitos destes locais se destacam por suas características estéticas, constituindo assim importantes pontos para o desenvolvimento econômico das populações adjacentes. Por isso, o aspecto do lazer deve ser levado em consideração quando se estabelece um geossítio.
O caráter científico é crucial pois ele na maioria das vezes dita a importância de um marco natural. Portanto, o reconhecimento e posterior estudo dessas áreas não só pode trazer respostas sobre a evolução do planeta como também evitar a degradação destas áreas.
Preservar e classificar estes locais é um modo de valorizar a ciência e preservar o estudo de futuros cientistas.
Ações para catalogação de geossítios no Brasil
Os esforços para identificação de geossítios no Brasil se iniciaram em 1993, conforme solicitação de apoio feita ao país pelo presidente do Patrimônio Mundial, Dr. J.W. Cowie.
Assim, o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral — DNPM (atual ANM), criou o Grupo de Trabalho Nacional de Sítios Geológicos e Paleobiológicos
Para que os geossítios no Brasil pudessem ser reconhecidos, era necessário instituir responsáveis pelo estudo de tais lugares. Em 1997, o DNPM reuniu em Brasília diversas instituições para ampliar o trabalho de estudo de geossítios, criando portanto a Comissão Brasileira dos Sítios Geológicos e Paleobiológicos – SIGEP.
Atualmente, a Comissão é composta pelas seguintes instituições:
- Academia Brasileira de Ciências-ABC;
- Associação Brasileira para Estudos do Quaternário-ABEQUA;
- Departamento Nacional de Produção Mineral-DNPM;
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE;
- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA;
- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN;
- Petróleo Brasileiro SA – Petrobras;
- Serviço Geológico do Brasil-CPRM;
- Sociedade Brasileira de Espeleologia-SBE;
- Sociedade Brasileira de Geologia-SBG;
- Sociedade Brasileira de Paleontologia-SBP.
A Comissão tem como principal objetivo coordenar um banco de dados de geossítios, divulgando-o digitalmente através de artigos científicos bilíngues que descrevem as características dos locais e explicam sua formação.
A integração entre diferentes órgãos e profissionais é essencial para que haja difusão de conhecimento. Para saber mais sobre esse tipo de iniciativa, você pode ler no blog o texto disponível sobre a importância da comunicação geocientífica.
Para maior padronização, foram criadas as seguintes categorias de sítios geológicos:
- Astroblema;
- Espeleológico;
- Estratigráfico;
- Geomorfológico;
- Hidrogeológico;
- História da Geologia, da Mineração e da Paleontologia;
- Ígneo;
- Marinho-submarino;
- Metamórfico;
- Metalogenético;
- Mineralógico;
- Paleoambiental;
- Paleontológico;
- Sedimentar;
- Tectônico-estrutural;
- Outros.
Em 1998 a Comissão enviou cartas convidando pesquisadores e instituições a proporem sítios. Posteriormente, este processo se tornou mais fácil devido ao estabelecimento de um formulário online para que os cientistas pudessem realizar sugestões.
Foram estabelecidos os seguintes critérios para que as indicações de geossítios fossem feitas:
- sua singularidade na representação de sua tipologia ou categoria;
- importância na caracterização de processos geológicos-chave regionais ou globais, períodos geológicos e registros expressivos na história evolutiva da Terra;
- expressão cênica;
- bom estado de conservação;
- acesso viável; e
- existência de mecanismos ou possibilidade de criação de mecanismos que lhe assegure conservação.
De 1997 a 2012 a SIGEP gerou inúmeros produtos, frutos da intensa pesquisa para identificação de geossítios. O resultado dos estudos pode ser encontrado em três volumes chamados Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil.
Este material pode ser acessado gratuitamente online, tendo também versões impressas. Estes livros contam no total com 116 sítios descritos no formato de artigo. Adicionalmente, foram feitas 4 descrições com linguagem informal, com o objetivo de alcançar um público leigo.
Apesar da inegável importância da SIGEP para o reconhecimento de geossítios, esta ainda encontra dificuldades devido a processos jurídicos. Para ter efetividade em trabalhos de conservação, é preciso que seja reconhecida pelo Poder Público.
Em 2012 foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial de Sítios Geológicos e Paleontológicos (GTI-SIGEP) com objetivo de institucionalizar as atividades da SIGEP.
Pela recorrente conclusão da oficialização, a SIGEP deixou de receber novas propostas de sítios. Apesar desta condição, continua atuando na revisão de conteúdos, inclusão de novas informações e disponibilização de verbetes em glossário.
Conheça 3 geossítios brasileiros
Os estudos realizados ao longo dos anos forneceram um extenso conhecimento científico sobre a história geológica do Brasil.
Para difundir os resultados alcançados, se encontram listados abaixo três geossítios do Brasil:
1. Sítio Fossilífero Predebon — Quarta Colônia, RS
No local é possível observar pegadas e pistas de vertebrados triássicos, o que é cientificamente nomeado como icnofósseis. As condições de preservação da rocha permitem não só o estudo da morfologia dos organismos que ali viveram como também o entendimento do ambiente, que foi constatado ser um local de rios e corpos lacustres, ambos temporários.
De acordo com Silva et al. (2007), as marcas das pegadas podem ser classificadas como: pegadas subaquáticas, pegadas semi-aquáticas, pegadas semi-terrestres, pegadas em substrato encharcado e pegadas em substrato úmido.
Sua conservação se deu por terem sido produzidas em lâmina d’água e posteriormente expostas de maneira subárea.
Devido à sua singularidade, o local ( juntamente com outros 9 municípios) está caracterizado como uma proposta de Geoparque pelo SGB-CPRM, apoiada pelo Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia (Condesus) e instituições acadêmicas, se consolidando como um geoparque aspirante da Organização das Nações Unidas para a Educação — UNESCO
2. Pavimento estriado de Calembre, Brejo do Piauí — PI
Este afloramento se destaca por preservar o processo de erosão de geleiras. No local observa-se o estriamento e polimento do pavimento em arenitos, que se apresentam como conglomerados maciços ou com estratificação cruzada.
A medição de estrias, cristas e sulcos apontou para uma orientação média de N60ºW. O deslocamento de sudeste para noroeste das geleiras é dado pelo formato dos seixos, gerado pela abrasão.
Este geossítio é relevante pois permite reconstituir ambientes pretéritos e entender mais sobre o paleoclima que era dominante no final do Devoniano.
Ainda são registrados na Bacia do Parnaíba tilitos, ritmitos com clastos pingados e arenitos, atestando a glaciação neofameniana ocorrida no Gondwana Ocidental.
3. Toca da Boa Vista, Campo Formoso — BA
A Toca da Boa Vista é a maior caverna do Brasil, possuindo 114 km de extensão. É notável pelos registros de ossadas fósseis nela encontradas e informações sobre mudanças climáticas ocorridas no Quaternário.
A existência de outras cavernas na região, como por exemplo a Toca da Barriguda e Toca do Pitu, sugere que anteriormente todas formavam uma só, tendo sido compartimentadas por abatimento da superfície e sedimentação.
Em 1987 o Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas — GBPE foi até a área e reconheceu seu potencial após adentrarem a entrada principal (Entrada Clássica), consequentemente explorando mais galerias.
Desde então, o grupo continuou com as exposições com o objetivo de mapear a caverna. Também há contribuições de instituições públicas para o maior conhecimento da área.
As cavernas são compostas por dolomitos proterozóicos. Suas galerias podem ser divididas em duas fácies distintas de dolomito. A primeira possui significativas camadas de chert, onde se encontram a maior parte das galerias. A outra fácies é dolomítica mais pura, contendo os condutos de maior dimensão.
A morfologia da caverna pode ser definida principalmente por um padrão ramiforme (semelhante a ramos), tendo ocorrências espongiformes (condutos irregulares que aparentam poros de uma esponja) e reticuladas (galerias resultantes de fraturas).
A formação da caverna é interpretada como resultado da ação de ácidos localizados em subsuperfície, provavelmente gerados pela oxidação de pirita, que resultou em ácido sulfúrico.
Se você deseja saber mais sobre esse tipo de formação, venha ler o texto disponível no blog sobre morfologia cárstica e tipos de depósitos em cavernas.
A divulgação como ferramenta para a conservação
A divulgação dos geossítios e seu entendimento como patrimônio geológico é necessária para sua preservação. Com o avanço das tecnologias e meios de comunicação, se faz possível que o acesso à informação seja facilitado.
A difusão do conhecimento de geossítios deve estar aliada a medidas de proteção das referidas áreas, pois este é um passo crucial para uma coordenação efetiva desses locais.
Nesta perspectiva, surgem os geoparques. Eles são definidos pela UNESCO como áreas geográficas únicas e unificadas, onde os locais e as paisagens de significado internacional são gerenciados com um conceito holístico de proteção, educação e desenvolvimento sustentável.
O SGB-CPRM utilizou deste conceito para iniciar o Projeto Geoparques, que tem como finalidade a pesquisa, descrição e divulgação de locais que possuem atributos que podem o tornar um geoparque.
A eventual consolidação do local depende de órgãos públicos, empresas privadas e da comunidade.
Municípios e estados podem se beneficiar do caráter estético do sítios para instalação de geoturismo, conciliando movimentação econômica para a região e conservação do local para todo um público.
É preciso que a comunidade acadêmica e órgãos governamentais continuem se empenhando para que o inventário de geossítios brasileiros possa continuar aumentando, construindo assim uma lista rica em geodiversidade, representando todas as variações na geologia do país.
O SGB CPRM criou o Geossit, site que visa funcionar como um mecanismo para cadastrar novos sítios, assim como também comunicar sobre os locais que correm risco de degradação. Qualquer usuário pode colaborar, bastando apenas se cadastrar no sistema.
Em comunicado feito em fevereiro de 2022, a SIGEP reforça sua importância no cenário brasileiro para a divulgação dos geossítios. A comissão ainda expõe o fato de que o site, tão rico em detalhes, corre o risco de ficar inativo por não ter quantidade de acessos. Por isso, convida a todos para visitar o domínio frequentemente e divulgá-lo para os que não o conhecem.
Referências
Caputo,M.V.; Ponciano,L.C.M.O. 2010. Pavimento Estriado de Calembre, Brejo do Piauí – Registro de geleiras continentais há 360 milhões de anos no Nordeste do Brasil. In: Winge,M.; Schobbenhaus,C.; Souza,C.R.G.; Fernandes,A.C.S.; Berbert-Born,M.; Sallun filho,W.; Queiroz,E.T.; (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet em 01/07/2010 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio052/sitio052.pdf [atualmente http://sigep.cprm.gov.br/sitio052/sitio052.pdf ]
Silva,R.C.; Godoy,M.M.; Binotto,R.B.; Zerfass,H. 2011. Sítio Fossilífero Predebon, Quarta Colônia, RS – Pegadas de vertebrados triássicos no sul da Bacia do Paraná. In: Winge,M.; Schobbenhaus,C.; Souza,C.R.G.; Fernandes,A.C.S.; Berbert-Born,M.; Sallun filho,W.; Queiroz,E.T.; (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet em 26/01/2011 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio045/sitio045.pdf [atualmente http://sigep.cprm.gov.br/sitio045/sitio045.pdf ]
Auler,A.S.; Smart,P.L. Toca da Boa Vista (Campo Formoso), BA: A maior caverna do hemisfério sul. In: Schobbenhaus,C.; Campos,D.A.; Queiroz,E.T.; Winge,M.; Berbert-Born,M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Publicado na Internet em 04/10/1999 no endereço http://www.unb.br/ig/sigep/sitio019/sitio019.htm [Atualmente http://sigep.cprm.gov.br/sitio019/sitio019.htm ]
Imagem da capa — Geoparque cânions do sul. Fonte: Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul
Parabéns! O site está lindo! Gostaria de saber onde consigo encontrar em KML, KMZ ou SHP dos geossítios da Chapada do Araripe, você teria alguma recomendação?
Obrigada, Renan! No link https://geosgb.sgb.gov.br/geosgb/downloads.html existem alguns arquivos disponíveis para download, dentre eles, mapas de geodiversidade estaduais. Espero que sejam úteis!