Viagem ao Centro da Terra é um dos poucos livros cujo protagonista é um geólogo. Publicado em 1864, o livro do francês Jules Verne é considerado um dos maiores clássicos do gênero da Ficção Científica e narra a aventura vivida por Otto Lidenbrock, um renomado professor de geologia e mineralogia, e seu sobrinho Axel. Seguindo os passos de um alquimista do século XVI, o Professor Lidenbrock descobre que é possível, através da cratera do vulcão Sneffels, situado na Islândia, chegar ao centro da Terra, onde os personagens se deparam com um novo mundo no interior do nosso planeta.
Jules Verne, conhecido como o pai da ficção científica, é famoso por ter previsto, em suas obras, a ida do homem à Lua, o submarino e a televisão, escrevendo sobre esses feitos muitas décadas antes de acontecerem. Infelizmente, Viagem ao Centro da Terra não entra em sua lista de previsões, sendo apenas a especulação de uma maravilhosa viagem que certamente muitos geólogos e outros cientistas adorariam fazer. Mas afinal, como esse clássico pode ser visto sob uma perspectiva geológica?
Ponto de vista Geofísico
A busca por entender como é o interior da Terra é, na verdade, bastante antiga, e muitas foram as teorias para tentar explicá-lo. Na imagem abaixo, vemos duas dessas teorias: uma mostra o interior da Terra com bolsões de material líquido que se interligam (a); e a outra é um modelo de 1678, de Athanasius Kircher, que diz que a Terra apresenta um interior parcialmente fundido, com canais alimentadores de vulcões (b).
Ao decorrer dos séculos, e com o avanço da ciência, chegou-se ao modelo atual da estrutura interna da Terra, que a divide em camadas concêntricas: a Crosta, o Manto e o Núcleo.
A crosta é a camada mais superficial, com uma espessura média de 30 a 40 Km. Logo abaixo, há o manto, que se estende até uma profundidade de 2.950 Km, a partir da qual temos o núcleo da Terra, dividido em núcleo externo (que é líquido) e o núcleo interno (que se encontra no estado sólido). Ao todo, a Terra tem um raio de 6.371 Km.
A partir dos estudos realizados sobre essas camadas, é perceptível que há muitas razões pelas quais seria impossível realizar a aventura imaginada por Jules Verne. A primeira delas é a temperatura. Medidas demonstram que a temperatura aumenta a uma proporção de 20 a 40ºC por Km em direção ao centro da Terra, o que chamamos de gradiente geotérmico. Portanto, o núcleo apresenta temperaturas próximas à temperatura da superfície do Sol.
Além da temperatura, há o fator pressão, que, no centro do planeta, é aproximadamente 3,6 milhões de vezes a pressão na superfície (o que explica o estado sólido do núcleo interior apesar da alta temperatura).
Todos esses dados resultam de estudos ligados à Geofísica, que é a ciência que estuda o interior da Terra por meio de métodos indiretos, com destaque para a Sismologia, a Gravimetria, o Geomagnetismo e a Geotermometria.
A questão Paleontológica
Quando finalmente chegam ao tão desejado destino, o centro da Terra, nossos personagens se deparam com inúmeras espécies impressionantes. Entre pássaros luminescentes e peixes carnívoros enormes, com certeza as criaturas que mais assustam nossos viajantes são os gigantescos dinossauros.
Os dinossauros (do grego, lagartos terríveis) foram as criaturas dominantes do planeta desde o Triássico até o Cretáceo. Há 66 milhões de anos atrás, porém, um asteroide de 15 km de diâmetro atingiu a Terra, mais exatamente na Península de Iucatã, que separa o Golfo do México do Mar do Caribe. Ao atingir a Terra, chocou-se com o mar e liberou grande quantidade de enxofre na atmosfera, o que prolongou o resfriamento global. Dessa forma, a Terra tornou-se fria e escura e os recursos se tornaram escassos, impossibilitando a vida dos grandes animais, como os dinossauros.
Desses grandes seres que Jules Verne imaginou reinando no interior do nosso planeta, só restaram os fósseis, ou seja, seus restos e vestígios que ficaram preservados em rocha.
O estudo dos fósseis se dá por meio da paleontologia, que divide-se em: paleozoologia (estudo dos fósseis animais), paleobotânica (estudo dos fósseis vegetais) e paleoicnologia (estudo dos icnofósseis, estruturas resultantes das atividades dos seres vivos, como pegadas, sulcos, perfurações ou escavações).
De volta à superfície
Após vivenciarem a viagem de ida até o centro da Terra, juntamente com todas os perigos e descobertas que presenciaram, nossos personagens se deparam com uma importante questão: como voltar para a superfície?
Para Jules Verne, essa pergunta teve uma resposta bastante óbvia: se para chegar ao centro da Terra, foi preciso passar pela cratera de um vulcão, para sair, não poderia ser diferente! Dessa forma, os viajantes, após enfrentarem ainda inúmeras dificuldades, retornam à crosta saindo de um vulcão. Dessa vez, porém, não saíram pelo mesmo vulcão pelo qual entraram, o Sneffels, na Islândia, mas o Stromboli, no norte da Sicília. Esses dois vulcões estão a mais de 3.500 Km de distância.
O Stromboli é o mais ativo vulcão europeu. A área da cratera vulcânica é formada por 3 cones ativos onde a atividade vulcânica é predominantemente explosiva. Os fluxos de lava, porém, são direcionados para uma ampla bacia íngreme em direção ao mar. A atividade do Stromboli consiste em explosões de média energia, que duram de poucos segundos a 10 ou 20 minutos, durante as quais são emitidas pequenas quantidades de magma, cinzas e blocos, com uma velocidade de saída entre 20 e 120 metros por segundo, alcançando algumas centenas de metros de altura.
A área da Geologia responsável pelo estudo dos vulcões é a Vulcanologia. Além de estudar os aspectos dos fenômenos vulcânicos, a vulcanologia lida com a classificação, distribuição e com as características eruptivas dos vulcões do nosso planeta e do universo a fora.
Muitos pontos desse clássico da literatura mundial ainda poderiam ser comentados sob uma perspectiva geológica. Entretanto, com apenas esses aspectos descritos aqui, já fica evidente, que há uma enorme incompatibilidade científica em Viagem ao Centro da Terra, uma vez que o ser humano não sobreviveria nem mesmo a uma visita ao manto. Isso, porém, é mais do que esperado dentro do gênero da ficção científica e, mais uma vez, Jules Verne acertou em cheio com uma fantástica história que instiga o desejo de saber mais sobre os mistérios do nosso planeta.
Referêcias:
https://midia.atp.usp.br/plc/plc0011/impressos/plc0011_03.pdf Acesso em 26 de Outubro de 2020.
https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/07/28/como-seria-se-viajassemos-ao-centro-da-terra-bem-nao-veriamos-dinossauros.htm Acesso em 27 de Outubro de 2020.
http://sigep.cprm.gov.br/glossario/verbete/gradiente_geotermico.htm Acesso em 27 de Outubro de 2020.
https://www.iag.usp.br/siae98/geotermia/geotermia.htm Acesso em 27 de Outrubro de 2020.
https://proec.ufabc.edu.br/gec/o-que-que-a-ciencia-tem/os-dinossauros-foram-realmente-extintos/ Acesso em 28 de Outubro de 2020.
http://www.cprm.gov.br/publique/Redes-Institucionais/Rede-de-Bibliotecas—Rede-Ametista/O-que-sao-e-como-se-formam-os-fosseis%3F-1048.html Acesso em 28 de Outubro de 2020.
Excelente texto! Isso me lembra a ideia de atravesssar para o outro lado do mundo pelo centro do planeta, a imaginação humana é impressionante!
Após ter lido o livro, estou a procura de uma discussão sobre, na verdade no livro os viajantes não viajam mais que 300km verticalmente, percorrem 5000km, mas não chegam ao centro, o túnel que o alquimista seguiu está fechado por uma rocha e a explosão que causam para obstrui-lo acaba por leva-los de volta a superfície.
Muito bem explicado! Estava em busca de imagens do sneffels e encontrei muito mais! Agradeço aos criadores.