Geologia de Fernando de Noronha: uma história vulcânica de milhões de anos

Geologia de Fernando de Noronha: uma história vulcânica de milhões de anos

Fernando de Noronha é um arquipélago vulcânico representado pela porção emersa de uma cadeia submarina denominada Cadeia Fernando de Noronha. Pertence ao estado de Pernambuco e dista cerca de 360 km da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte.

Possui aproximadamente uma área de 26 km² e é composto por 21 ilhas, sendo a maior delas denominada Ilha Fernando de Noronha, que dá nome ao arquipélago.

Localização do Arquipélago de Fernando de Noronha (Google Maps).

É um conhecido destino turístico brasileiro, devido à sua incrível beleza cênica e importância ecológica característica, apresentando uma rica geodiversidade e biodiversidade. O Arquipélago de Fernando de Noronha encontra-se inteiramente protegido pelas Unidades de Conservação (UC) federais:

  • Área de Proteção Ambiental (APA) de Fernando de Noronha (1986) 
  • Parque Nacional Marinho – (PARNAMAR) de Fernando de Noronha (1988)
Além disso, Fernando de Noronha é um Patrimônio Natural Mundial da UNESCO desde 2001. A proteção da área visa a preservação e conservação da sua biodiversidade marinha e terrestre. 

Dentre os objetivos específicos do parque está a “sensibilização da sociedade para a necessidade de conservação da natureza, assim como disseminação de pesquisas científicas que visam compreender a biodiversidade local, conservar os sítios históricos arquitetônicos e naturais e o ordenamento do fluxo turístico”.  

Apesar das UCs não citarem a geodiversidade do parque, Fernando de Noronha apresenta uma proposta de Geoparque criada em 2012 pelo Serviço Geológico do Brasil. Com certeza, a valorização da geodiversidade de Fernando de Noronha deve ser promovida, sendo um local com uma geologia única no nosso país. 

No Brasil, as únicas ilhas e arquipélagos vulcânicos são:

  • Arquipélago de São Pedro e São Paulo
  • Arquipélago de Fernando de Noronha 
  • Atol das Rocas
  • Arquipélago de Trindade e Martim Vaz 
Mapa de localização das ilhas vulcânicas brasileiras (Almeida 2006).

Fernando Flávio Marques de Almeida foi um dos geólogos pioneiros no estudo dessas importantes feições tectônicas brasileiras, a partir da década de 50, reconhecendo o caráter vulcânico de Fernando de Noronha. 

A formação de Fernando de Noronha

O Arquipélago de Fernando de Noronha formou-se há cerca de 12 milhões de anos, quando magma na crosta oceânica extravasou e gerou uma cadeia de montanhas vulcânicas submarinas. Hoje, o arquipélago é a porção emersa dessa já extinta cadeia vulcânica.

O magma que gerou o arquipélago foi formado em uma feição tectônica denominada Zona de Fratura Fernando de Noronha – um extenso sistema de falhas e fraturas geológicas profundas na crosta oceânica.

Formação do Oceano Atlântico Sul 

Esse sistema de fraturas está associado com a história da formação do Oceano Atlântico Sul e a sua contínua abertura: desde há cerca de 140 milhões de anos, o antigo supercontinente Gondwana começou a se quebrar.

Nesse processo, a crosta continental começou a se fraturar, gerando um rifteamento. Com a evolução do rifte, as massas continentais se separaram cada vez mais, causando um afinamento na crosta na porção central do rifte. Neste contínua processo de abertura, magmatismo basáltico começou a ser gerado, até que se formou crosta oceânica e, finalmente, duas placas tectônicas distintas: a Placa Sul Americana e a Placa Africana, as quais estão ativamente em constante movimento divergente ao longo de milhões de anos, abrindo cada vez mais o Oceano Atlântico.

Assim, formou-se a chamada Dorsal Mesoatlântica, uma extensa cadeia de montanhas submarinas no meio do Oceano Atlântico, com contínua geração de novas rochas conforme as placas se afastam e o oceano cresce, separando cada vez mais os continentes. 

Modelo esquemático simplificado da separação do atual continente Africano da América do Sul na fragmentação do Pangeia, há cerca de 140 milhões de anos (terrenos destacados em marrom são os terrenos antigos chamados de Crátons). Esse processo de contínua separação das placas levou a formação do oceano Atlântico Sul e da Dorsal Mesoatlântica. (fonte: notasgeo.com.br)
Modelo esquemático de separação de placas tectônicas, com geração de magma do manto, gerando crosta oceânica na região da Dorsal. (greelane.com)

A acomodação do magma na Dorsal não ocorre em apenas um conduto vulcânico retilíneo, mas há na verdade uma movimentação relativa entre eles, de forma paralela – essa movimentação ocorre por falhas transformantes.

Essas falhas são um tipo de limite de placas tectônicas, pois separam a Placa Sul-Americana da Placa Africana, sendo um limite chamado do tipo conservativo, pois não há a destruição nem a geração de nova crosta, ocorrendo apenas a movimentação relativa de forma paralela entre as placas.

Modelo esquemático de uma falha transformante em uma dorsal. O movimento relativo na falha é paralelo e separa dois condutos vulcânicos da dorsal, além de marcar um limite (conservativo) entre duas placas tectônicas distintas.
Mapa batimétrico na região da Dorsal Mesoatlântica, evidenciando as falhas transformantes (linhas finas subhorizontais). (Imagem: NOAA)

A Zona de Fratura Fernando de Noronha

Mas qual a relação das falhas na Dorsal Mesoatlântica com a formação do Arquipélago de Fernando de Noronha?  

As falhas transformantes, uma vez geradas nas dorsais, podem se preservar durante o espalhamento do fundo oceânico que ocorre com a contínua geração de crosta oceânica ao longo de milhões de anos. 

Isso significa que elas podem se localizar também nas regiões mais próximas ao continente, como traços inativos deixados pelas falhas transformantes antigas. Isso foi o ocorreu na região do arquipélago, e essas falhas preservaram-se como regiões de fraqueza na crosta oceânica, formando a Zona de Fratura de Fernando de Noronha.

No processo de espalhamento oceânico, a placa pode passar sobre um hotspot – um ponto quente e fixo de anomalia térmica na crosta – e as fraturas preservadas podem atuar como conduto de magma formador de vulcões, que emersos se apresentam como ilhas vulcânicas.

É fato que ocorreu magmatismo associado com a Zona de Fratura de Noronha, porém ainda não é consenso a origem desse hotspot. Algumas teorias indicam ação de uma pluma mantélica, um imenso corpo de calor gerado no manto profundo, como ocorre no Havaí, porém há controvérsias e estudos em desenvolvimento podem ajudar a compreender melhor este processo.

Mapa da região da Margem Equatorial com esquema das Zonas de Fraturas e dos Arquipélagos vulcânicos associados. Arquipélago de São Pedro e São Paulo na Zona de Fratura São Paulo; Atol das Rocas e Arquipélago de Fernando de Noronha, na Zona de Fratura Fernando de Noronha. Legenda: 1 Limite de zonas de fratura; 2 Rochas vulcânicas. (Almeida 2006).

A Cadeia de Fernando de Noronha

Com esses processos previamente exemplificados, surge então, após milhões de anos desde o início da abertura do Oceano Atlântico Sul, a cadeia submarina de Fernando de Noronha, associada com a Zona de Fratura Fernando de Noronha, ambas de orientação geral leste-oeste.

A cadeia tem cerca de 75 km de extensão e cerca de 4.000 metros de profundidade. A maior parte dos montes vulcânicos encontram-se erodidos pela erosão subaérea e abrasão marinha. O monte mais novo e ainda em parte emerso suporta o arquipélago, no qual o vulcanismo se extinguiu há cerca de 1,8 milhões de anos.

Além do arquipélago, encontra-se cerca de 23 km a oeste o Alto Drina, uma elevação secundária que foi desgastada pela erosão durante o rebaixamento do nível do mar na última glaciação, formando uma plataforma de abrasão a qual foi posteriormente submersa com a elevação do nível do mar.

Perfil esquemático Leste-Oeste do edifício vulcânico de Fernando de Noronha (Teixeira et al. 2003).

Eventos vulcânicos e as rochas do Arquipélago de Fernando de Noronha 

O vulcanismo que gerou as rochas do Arquipélago de Fernando de Noronha é do tipo alcalino, um tipo específico de magma formado em vulcanismo intraplaca, isto é, em um ambiente longe das bordas de placas tectônicas – a Cadeia de Fernando de Noronha, assim como o Brasil, se encontra dentro da Placa Sul-Americana.

Esquema com as principais placas tectônicas, com a localização aproximada (em vermelho) do Arquipélago de Fernando de Noronha, dentro da Placa Sul-Americana.

A nomenclatura “alcalino” se refere a química dessas rochas, onde o conteúdo químico dos álcalis (óxido de potássio e óxido de sódio) é grande o suficiente para a formação de minerais alcalinos. Utiliza-se a denominação de basaltos de ilhas oceânicas (OIB) para caracterizar o conjunto de rochas vulcânicas que ocorrem nesses ambientes.

Dois eventos eruptivos principais, separados por um período de calmaria e intensa erosão, são responsáveis pela origem de Fernando de Noronha:

  • O primeiro evento ocorreu há cerca de 12,3 milhões de anos até cerca de 10 milhões de anos, e gerou as rochas da chamada Formação Remédios
  • O segundo evento vulcânico ocorreu há cerca de 3 milhões de anos até cerca de 1,8 milhões de anos, gerando as Formações Quixaba e São José. 

As rochas mais antigas ocorrem como corpos subvulcânicos e são predominantemente fonólitos (um tipo de rocha alcalina vulcânica), enquanto o vulcanismo mais recente se caracteriza essencialmente por derrames de lavas de melanefelinitos (outro tipo de rocha alcalina vulcânica). Os sedimentos e rochas sedimentares ocupam apenas 7,5% do arquipélago.

Mapa geológico do Arquipélago de Fernando de Noronha. (Ulrich et al. 2004).

As altitudes de 30 a 45 metros representam a maior área da ilha principal e estão presentes rochas piroclásticas (rochas vulcânicas formadas por erupções explosivas), cortadas por diques de variadas composições. 

Os planaltos de altitudes entre 150 e 200 metros, a nordeste e a sudoeste da ilha, foram originados a partir de derrames sub-horizontais de lavas e rochas piroclásticas, sobretudo da Formação Quixaba. Esses pacotes de rochas formam escarpas, de modo que a alternância entre as litologias favorece a abertura de túneis.

Outras feições desta formação são as Ilhas Dois Irmãos, formadas por derrames basálticos que geraram disjunções colunares. 

Exemplos das rochas vulcânicas de Fernando de Noronha são:

  • Morro (ou Ilhas) Dois Irmãos, localizadas em frente à Baía dos Porcos, formadas por derrames de lavas da Formação Quixaba. Apresenta disjunções colunares, uma estrutura gerada no resfriamento do magma.
  • A alternância de lavas e abundantes depósitos piroclásticos da Formação Quixaba, à altura do nível do mar, favoreceu a abertura do túnel do chamado Portão da Sapata.
  • Ilha do Frade, um domo de fonólito da Formação Remédios, com fortes evidências de erosão, possivelmente por queda de blocos. 
(A) Disjunção colunar no Morro Dois Irmãos. (B)  Portão da Sapata. (Ulrich et al. 2004).
Ilha do Frade.

As maiores altitudes das ilhas são morros constituídos de rochas vulcânicas mais resistentes à erosão, da Formação Remédios. Por vezes formam picos monolíticos destacados na paisagem, o ponto culminante do arquipélago possui 321 m de altitude (Morro do Pico).

Morro do Pico.

Geoparque Fernando de Noronha

Através do Projeto Geoparques do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), é proposta a criação do Geoparque Fernando de Noronha, de modo a conciliar conservação, geoturismo, educação e desenvolvimento científico no arquipélago. O projeto coincide integralmente com o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha e a Área de Proteção Ambiental adjacente.

O arquipélago cumpre com os requisitos da Rede Global de Geoparques da UNESCO, devido não só aos aspectos geológicos e beleza cênica dos 26 geossítios categorizados, mas também à grande variedade de fauna e flora marinha e sua importância histórica.

Um dos principais aspectos positivos da criação do Geoparque Fernando de Noronha seria o fortalecimento do geoturismo como atividade sustentável, servindo como importante meio de divulgação geocientífica e conscientização ambiental através de visitas guiadas, centros de informação, museus e materiais de divulgação geocientífica.

Um exemplo de geossítio verificado é a Baía de Sueste em que afloram extensos depósitos piroclásticos. O geossítio proposto é também um importante ponto histórico-arqueológico devido às ruínas do Forte de São Joaquim de Sueste, que são um registro da tentativa holandesa de retomar o arquipélago em 1629, e uma importante área ecológica, sendo um dos principais locais de alimentação das tartarugas marinhas.

A) Vista da baía de Sueste em direção ao mirante de Sueste (esquerda). No centro, nota-se afloramento emerso dos diques que cortam os pacotes piroclásticos. B-C) Detalhes dos depósitos piroclásticos. D-E) Fotomicrografia dos tufos. (Wilder e Ferreira, 2012)

Importância do Arquipélago de Fernando de Noronha

O Arquipélago de Fernando de Noronha registra uma história vulcânica que se associa com a formação do Oceano Atlântico há milhões de anos. Muitas questões sobre a origem do calor para a geração do vulcanismo ainda estão em aberto e a região é alvo de diversos estudos para desvendar cada vez mais a geologia da região.

Hoje, as condições ecológicas fazem do local um refúgio para a biodiversidade. Além da relevância científica, apresenta também uma importância histórica e cultural. Dada sua beleza natural, Noronha é um famoso atrativo turístico e deve portanto ser preservado e valorizado.

Além disso, a importância de seu registro geológico deve ser disseminada, promovendo um turismo consciente do significado da paisagem – o geoturismo, bem como de medidas de disseminação geocientífica, para que todos saibam o que há por trás dessa paisagem única!

E ai, gostou de saber sobre a origem de Fernando de Noronha e gostaria de conhecer esse paraíso vulcânico brasileiro?

Leia sobre outro destino Geológico: Islândia

Referências

https://www.ngdc.noaa.gov/mgg/image/2minrelief.html

https://www.notasgeo.com.br/2018/05/o-brasil-se-move-para-esquerda-uma-area.html

https://www.greelane.com/pt/ci%c3%aancia-tecnologia-matem%c3%a1tica/ci%c3%aancia/divergent-plate-boundaries-3874695/

Almeida, F.F.M. (1955). Geologia e Petrologia do Arquipélago de Fernando de Noronha. Tese para Concurso de Livre Docência, Universidade de São Paulo (USP).

Almeida, F.F.M. (2006) Ilhas oceânicas brasileiras e suas relações com a tectônica atlântica. Terra Didática, 2:3-18

Cordani U. G.; Ulbrich M. N. C.; Onoe A. T.; Vinasco C. 1. (2003). Novas determinações de idade pelos métodos K-Ar e Ar-Ar para o Arquipélago de Fernando de Noronha. ln: Congresso de Geoquímica dos Países de Língua Portuguesa, 7, Maputo, Moçambique. Revista da Fac. De Ciências, Edição Especial, 1: 167-178.

Teixeira, W., Cordani, U. G., Menor, E. A., Teixeira, M. G., & Linsker, R. (2003). Arquipélago de Fernando de Noronha. O paraíso do Vulcão. Tempos do Brasil. São Paulo: Terra Virgem Editora.

Ulbrich, M. N. C., Marques, L. S., & Lopes, R. P. (2004). As ilhas vulcânicas brasileiras: Fernando de Noronha e Trindade. GEOLOGIA DO CONTINENTE SUL-AMERI-CANO: Evolução da obra de Fernando Flávio Marques de Almeida, Editora Becca, 554-571.

Wilder, W., & Ferreira, R. V. (2012). Geoparque Fernando de Noronha (PE)): proposta. CPRM. http://rigeo.cprm.gov.br/jspui/handle/doc/17159.

15 comments

Também gostei muito do texto, bem didático e esclarecedor, coloca ainda mais luz sobre aquela beleza de lugar

Karina boa tarde. Fantástico o modo esclarecedor e objetivo do seu conteúdo, parabéns !
Sou o Humberto. Estou procurando referência de mapas de Fernando de Noronha, só achei a carta Náutica por cerca de R$250,00 sem dados topográficos. Irei mês que vem dar um curso lá e preciso da carta para encinar orientação e navegação para os guias. Pode me dar umas dicas ? Obrigado !

Agradeço pelo feedback, Humberto! Vou te encaminhar por email o contato da professora Joana que esta dando cursos de geologia para guias do Arquipélago, era poderá te auxiliar melhor com as referências de mapas :).

Karina, boa noite!

Excelente trabalho !! Exposição sucinta, sequência lógica, imagens/figuras bem concatenadas, principalmente a da zona de fratura e a do edifício vulcânico. Não se perdeu no “jargão” da especialista. Talento nato, vencerá sempre nesse mister. Adorei !
Sou um entusiasta da Astronomia e Geologia e de coisas bem feitas. Aprendi ainda mais.
Parabéns !!

Muito obrigada pelo feedback, Luís. Fico feliz que o texto contribui para passar conhecimentos deste lugar incrível! Abraços 🙂

Karina Boa tarde,
Referente ao trabalho apresentado muito bom referência ao novos projetos servirá o conteúdo em novas expedições científicas .
Estamos iniciando uma pesquisa geológica oceânica gostaríamos muito sua contribuição no projeto TerraMar.
Parabéns
John

Obrigada pelo feedback, John! Ficamos muito felizes com comentários assim.
A Karina vai entrar em contato com você para saber mais sobre o projeto 🙂

Karina Boa tarde,
Referente ao trabalho apresentado parabéns ótima referência para novas pesquisas científicas.
John

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