Durante seus estudos relacionados à geologia, é muito provável que você já tenha tropeçado nesse conceito. Não um simples conceito, mas um dos grandes, aquele responsável por amarrar cada acontecimento na história do nosso planeta, o Tempo Geológico.
É importante saber que a estruturação do que hoje é denominado tempo geológico, ou da idade do nosso planeta, começou a ser debatida bem antes da criação da Geologia, ciência que é a grande responsável por essa discussão.
A discussão sobre a criação e idade do nosso planeta já havia sido realizada por filósofos da Grécia antiga, pesquisadores da China imperial e por religiosos de diversas matrizes, o que mostra que esse questionamento é antigo e intrigante dado a quantidade de pessoas e ramos científicos que ficaram envoltos por essas perguntas (NOGAROL, 2011).
A catalogação do tempo geológico é tida para alguns autores como uma importante contribuição, não só para as geociências, como também para outros campos da ciência tais como a biologia, a física e a química (NOGAROL, 2011).
O raciocínio utilizado para tal feito toma um caráter investigativo, interpretativo e, ao mesmo tempo, histórico, o que acaba por contribuir para o pensamento científico de importantes autores e teorias como por exemplo Charles Darwin e a teoria da evolução natural, explanada em seu livro “A origem das espécies” (1859).
Para Cervato (2012), a descoberta e o trabalho com o tempo geológico, feita por James Hutton e Abraão Werner, podem ser equiparados à substituição da visão de mundo geocêntrico para heliocêntrico feita por Copérnico, tamanha é a grandiosidade de se pensar sobre o passado do nosso planeta.
A frase “sem vestígio de início, sem prospecto de fim”, dita por Hutton, traduz um pouco da vastidão desse conceito nas geociências e a importância de conhecer aquilo que se encontra inserido no espaço, mas que é de difícil percepção para nós: o tempo.
Pedinaci y Berjillos (1994), ressaltam que o uso do termo tempo geológico vai além de simplesmente gravar as épocas, idades e períodos presentes na tabela cronoestratigráfica, pois não basta saber a idade da Terra, é necessário ter uma visão dinâmica dos processos geológicos que ocorrem no planeta.
O início da catalogação do tempo geológico
O debate sobre a idade do planeta Terra foi iniciado por civilizações antigas, como a egípcia, grega, suméria e babilônica, mas não de forma a ser registrada como se encontra hoje nos livros acadêmicos (NOGAROL, 2011).
Ainda sobre essa temática, o autor propõe que: “A contagem do tempo, ou sua catalogação, começou a ser feita pelo judaísmo pré-cristão, e as primeiras cronologias foram datadas pelo cristianismo em seus textos bíblicos entre 115 e 340 d.C” (NOGAROL, 2011, p.4). Mas, é somente no século XVI, com o arcebispo James Ussher, e, posteriormente, com o reverendo Thomas Burnet e a publicação dos quatro ‘’Telluris theorica sacra’’, entre 1680 e 1690, que a calendarização é estruturada e difundida.
Vê-se aqui uma ingerência da comunidade religiosa nas primeiras tentativas de catalogação da idade do planeta, algo que já é esperado dado seu anseio pelo domínio dos dogmas presentes na sociedade daquela época. Mostrar que é das entranhas dos textos bíblicos que encontramos as respostas para aquilo que é visto na natureza foi, e ainda é, de grande valor para a igreja.
Até a chegada do século das luzes (XVIII), ou comumente chamado de Iluminismo, a interpretação acerca dos fenômenos ocorridos na natureza tinha uma ação ativa da religião, e com a idade da Terra não seria diferente. A leitura mais famosa foi realizada por James Ussher em sua publicação “The Annals of the World” em 1658 (Figura 1) e registra o mês, o dia e até a hora da criação: 09h00 do dia 26 de outubro de 4004 a.C, conferindo ao planeta cerca de 5.520 anos durante o registro (NOGAROL, 2011).
Figura 1. Livro The Annals of the World
Fonte: The History of the World
http://www.bbc.co.uk/ahistoryoftheworld/objects/wMDRZOpFQCCJwqJGg-qwCQ.
Essa ideia perdurou até o momento em que pensadores do século XVII e XVIII começaram a questionar a idade que era dada pela igreja, já que essa não conseguia contemplar o tempo necessário para o ciclo de alguns processos geológicos e biológicos estudados até então.
Dentre eles, hão de se destacar os naturalistas Benoit de Maillet, Georges-Louis Leclerc (conde de Buffon), Georges Cuvier, Jean-Baptiste de Lamarck, James Hutton, considerado o precursor da geologia moderna, e Charles Lyell.
Naturalista escocês nascido em 1726, James Hutton é considerado, por alguns autores, o pai da geologia moderna (ODY, 2005) dado seus esforços para compreender o funcionamento dos processos geológicos que ocorrem na natureza. À Hutton é atribuída a sistematização do tempo geológico, chave fundamental para uma melhor compreensão dos processos que ocorrem no planeta. Foi durante uma expedição na costa leste da Escócia, que Hutton avistou a inconformidade geológica de Siccar Point (Figura 2) e repensou a vastidão de tempo do planeta e os processos contínuos ocorridos nele. Há uma consideração a se fazer aqui, dado que essa proposta feita por Hutton possui influência da obra do filósofo Davi Hume, também contemporâneo do autor (CAXITO, 2017).
Figura 2 – Inconformidade de Siccar point
Fonte: The geological society
https://www.geolsoc.org.uk/GeositesSiccarPoint
A partir daí, e com o auxílio de seu amigo e também geólogo amador, John Playfair, grande responsável pela disseminação das ideias de Hutton (já que o próprio não possuía destreza com a escrita), o pensamento huttoniano conseguiu perpassar para uma próxima geração de geólogos que se aprofundaram ainda mais acerca dos estudos sobre o tempo (GOULD, 1991).
Do uniformitarismo a radioatividade – A evolução das ideias
Charles Lyell forneceu para a história natural grandes ensaios sobre os processos geológicos. Entre 1830 e 1875, Lyell escreveu cerca de doze edições do seu livro ‘’Principles of Geology’’, tendo parado na décima segunda edição
Lyell incorporou o conceito denominado de uniformitarismo para a geologia. Nele, todos os acontecimentos geológicos que se desenvolvem na superfície terrestre são produzidos graças a processos físicos, químicos e biológicos, e ocorrem de forma lenta, gradual e contínua ao longo do tempo geológico, de maneira que aquilo que acontece nos dias atuais já ocorreu em tempos antigos. Desta linha de raciocínio vem a célebre frase: ‘’o presente é a chave do passado.’’ (SEQUEIROS et. al., 1997).
É importante ressaltar que parte da teoria de Lyell é considerada incompleta por seus sucessores, devido aos diferentes períodos geológicos experienciados pelo planeta, como tempos sem formação vegetal, diferente dinâmica atmosférica, dentre outros. Mas, isso não tira o mérito científico desse pesquisador. A contribuição de Lyell é de tamanha importância para a ciência que suas ideias serviram de base para o desenvolvimento da proposta formulada pelo naturalista Charles Darwin acerca do processo evolutivo que ocorre na natureza. Em uma carta escrita em maio de 1832, Darwin informa a seu parceiro John Henslow, geólogo e botânico, que a geologia e os animais seriam seus principais objetivos de investigação durante a expedição feita pelo HMS Beagle.
Ao final do século XVIII e início do século XIX já existia um ordenamento de sucessões geológicas graças à aplicação do Princípio de Steno ou Princípio da Sobreposição de Camadas. Este princípio foi utilizado para a elaboração do primeiro mapa geológico da Grã-Bretanha, concebido por William Smith. Com isso, a datação relativa já se figurava como uma importante ferramenta para os estudos das ciências da terra.
Para cada agrupamento de rochas datadas, essas teriam seu próprio recorte temporal (um período geológico, época ou era) recebendo algumas características como, por exemplo, os fósseis que se encontravam em comum acordo com o tempo de deposição dos sedimentos. Tem-se aqui o surgimento da Bioestratigrafia e do Princípio da Sucessão Biótica ou Princípio da Sucessão Fóssil que foi trabalhado pelo naturalista Georges Cuvier em sua obra Discours sur les révolutions de la surface du Globe de 1825 (FARIA, 2010) e posteriormente por Charles Darwin.
Os nomes dados aos agrupamentos variavam de acordo com seu local de descoberta. Por exemplo, o grupo Cambria (Cambriano) era o nome latino para Gália, Ordovices (Ordoviciano) uma antiga tribo celta, Perm (Permiano) uma província russa e assim por diante.
A idade relativa, como o próprio nome diz, não informa de maneira precisa quantos milhões de anos aquele determinado pacote rochoso possui. Essa datação tem por finalidade instruir se a rocha é mais antiga ou mais jovem que outra, ou ainda, se a rocha em questão se formou antes ou depois de dado evento geológico (TEIXEIRA ,2009). Nicolau Steno foi o responsável por esse pensamento, e estabeleceu três princípios para a organização das camadas sedimentares em seu artigo Um sólido natural contido dentro de um sólido de 1669.
Tentativas de medição para idade absoluta do planeta foram realizadas por Darwin em sua primeira edição do livro A Origem das espécies. Com cálculos sobre taxa de erosão marinha para formação de um vale localizado no sul da Inglaterra, o vale Weald, Darwin chegou à conclusão que cerca de 300 milhões de anos foram necessários para a origem daquele local (GOULD, 1991).
A base desse pensamento foi usada para o cálculo da idade da Terra, mas sofreu críticas por parte de Kelvin, dado seu embasamento uniformitarista, e na falta de incorporação das leis da termodinâmica elaboradas por ele, pois o próprio autor, tendo como base a condução de calor elaborada por Fourier, expunha que o gradiente geotérmico no passado era maior dado a quantidade de elementos radioativos que aqueciam a crosta terrestre .(NOGAROL,2011) William Thomson, ou Lord Kelvin, não compactuava com a ideia uniformitarista. Para o físico, os ciclos geológicos eternos trazidos pelo uniformitarismo iam num pensamento contrário às leis da termodinâmica e, por isso, o autor acabou por propor uma outra datação.
Em 1846, através de estudos feitos tendo por base as duas primeiras leis da termodinâmica e a aplicação do cálculo proposto por Newton e Leibniz, Kelvin calculou de 20 a 400 milhões de anos para o planeta Terra (NOGAROL, 2011 p.98). Nesse ponto percebe-se uma controvérsia surgindo entre físicos, biólogos e geólogos. De um lado, um grupo de cientistas propunha uma terra muito mais antiga, com seus bilhões de anos, o que explicaria os processos geológicos e a evolução de Darwin, e do outro uma terra muito mais jovem com a qual a teoria evolutiva de Darwin não entraria em concordância.
Mas a ideia de Kelvin, que o planeta tivesse apenas seus 400 milhões de anos, começou a ser sabatinada por cientistas da época, dentre os quais podemos citar: Fleeming Jenkin, George Darwin, filho do cientista Charles Darwin e Thomas Henry Huxley, popularmente conhecido como bulldog de Darwin, por defender ferozmente o cientista em debates acadêmicos.Inúmeros foram os debates entre Huxley e Kelvin e, no final do século XIX, o próprio cientista começou a repensar sua teoria.
A radioatividade e o tempo
O problema sobre a idade do planeta só foi resolvido devido à descoberta da radioatividade. Em 1896, o francês H. Becquerel realizou importantes experimentos sobre radiação. Os cientistas começaram então a entender mais sobre a propagação de calor no interior do planeta e, no início do século XX, mais precisamente em 1907, o químico e físico norte-americano Bertram Borden Boltwood propôs o caminho para datação das rochas, a datação feita pelo método Urânio-Chumbo.
Em razão do desenvolvimento da datação radiométrica, hoje se sabe que o planeta tem cerca de 4,56 bilhões de anos. Essa idade fora datada de materiais rochosos planetários, já que rochas do período embrionário do planeta não são encontradas devido a sua constante mudança de destruição e construção da crosta.
Os quase 4,6 bilhões atuais são bem diferentes dos quase 5.600 propostos pelo reverendo Ussher em 1680. Além disso, ao longo desse pensamento científico, podem-se enxergar contribuições de diversas ciências, mostrando de maneira bem explícita que esse é um tema interdisciplinar, passível de investigação e debate ainda recorrentes na academia.
A coluna cronoestratigráfica
Hoje, existe um consenso quanto aos nomes que você encontra nos livros (Cenozoico, Fanerozoico, Holoceno, Pleistoceno, dentre outros). Essas divisões são colocadas na chamada tabela, ou coluna cronoestratigráfica. Essa tabela é organizada pela Comissão Estratigráfica Internacional, e tem como intuito representar as unidades de tempo geológico junto com seus respectivos limites temporais.
A tabela é dividida em cinco tipos de classificação, são eles: éons, eras, períodos, épocas e idades, essas são definidas como unidades geocronológicas (Figura 3).
Figura 3 – Tabela estratigráfica internacional
Os éons são os maiores espaços de tempo,estão divididos em quatro, são esses os: fanerozóico, proterozóico, arqueano e hadeano. Desses, apenas o hadeano não encontra-se dividido em eras. Os dois últimos quando combinados são geralmente chamados de Pré-Cambriano.
As eras são caracterizadas conforme as diferentes posições dos continentes, dos oceanos e dos seus seres vivos. O período, uma divisão da era, é a unidade fundamental na escala do tempo geológico. Somente as eras do éon Arqueano não são divididas em períodos.
A época é um intervalo menor dentro de um período. Somente os períodos das eras do éon Proterozóico não são divididos em épocas.
A idade, por fim, é a menor divisão do tempo geológico. Ela tem duração máxima de 6 milhões de anos, podendo ter menos de 1 milhão. Somente as épocas mais recentes são divididas em idades. (CPRM,2016)
Referências bibliográficas
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