Modelos geológicos – projeções da realidade ou instrumentos de imaginação?

Modelos geológicos – projeções da realidade ou instrumentos de imaginação?

A Geologia é uma ciência descritiva. Descritiva e interpretativa. A partir do que é observado, e metodologicamente relatado, é possível se obter explicações acerca de determinado evento, intervalo de tempo, registro litológico.

File:3D Geological Model.png - Wikimedia Commons
Modelo Geológico

Esse caráter investigativo adquirido pelos profissionais da área vai além da abordagem científica de observação e entendimento de fenômenos naturais.

Ele absorve um viés policialesco, e tem no geólogo o protagonista de uma trama cujo “corpo” e “cena do crime” detêm os fragmentos necessários para a solução do caso.

Como os famosos casos tocando a porta de Sherlock Holmes em Baker st., os problemas geológicos aparecem na vida do geólogo, advindos de demandas relacionadas a indústria ou questões acadêmicas que permeiam esse vasto mundo ainda pouco explorado.

Uma área a ser mapeada, o refinamento estratigráfico necessário ao entendimento de reservatórios, um detalhamento de potenciais áreas de acumulação mineral… a suprema maioria das questões tratam de eventos já acontecidos, materializados na forma de unidades geológicas e seus contatos (amplamente variáveis, diga-se de passagem).

Essa imagem é a representação perfeita da “vítima”, aquele corpo jogado na cena do crime, preparado para ser investigado de diversas maneiras.

Geólogo: legista

Há todo um método (científico) a partir do qual o geólogo se baseia para a investigação e aquisição de dados. Essa etapa é de suma importância, pois estabelece os blocos fundamentais da história a ser contada.

A programação e coleta de informações é um mundo a parte, que gira em torno da necessidade, disponibilidade e natureza das amostras, parametrizadas pelo custo x benefício da(s) campanha(s) de aquisição. Cabe ao geólogo (e equipe) optar pelas melhores escolhas dentro das possibilidades logísticas que lhe cabem.

Na indústria do petróleo, especialmente nas bacias offshore, essa etapa ganha contornos ainda mais limitados, em virtude do contexto: os alvos da campanha (intervalos de reservatório ou rochas geradoras, geralmente) estão soterrados por coluna d´agua e pacotes sedimentares, chegando a ordem de quilômetros.

Essa clara dificuldade torna a obtenção de dados diretos (rochas) uma tarefa ainda mais árdua, de elevado custo, mas de alto valor agregado. 

Como forma de mitigar essa falta de informação, diversas técnicas foram desenvolvidas durante o século XIX. A aplicação de conceitos físicos (acústica, resistividade elétrica, decaimento radioativo, campo magnético, etc…) e químicos (número atômico, decomposição espectral, etc…) permitiram, junto a tecnologias cada vez mais avançadas de perfuração, aquisição de dados, e processamento computacional, o expressivo aumento do conhecimento acerca daquelas rochas, porém de caráter indireto, visto que são respostas a estímulos aplicados, ou emanações naturais das litologias do intervalo investigado.

Todo esse conjunto de dados, que se manifesta nas mais diversas escalas e naturezas, compõem a fonte de informação do geólogo. Eles são, de maneira simplificada, a visão da situação real, uma fotografia do que existe alí.

A analogia a uma foto é propícia, pois representa bem um estado instantâneo, que pode se alterar a medida que novos elementos são adicionados a trama.

 Geólogo: detetive

Toda essa informação é devidamente categorizada, hierarquizada e ponderada. Cada escala e princípio teórico adotados, carrega consigo suas limitações de influência para a consolidação de uma visão integrada (exemplo: é, no mínimo, arriscado, fundamentar um raciocínio global de evolução geológica apenas por dados microscópicos; assim como é, possivelmente, incompleto fomentar interpretações geológicas sem qualquer consideração aos dados de pequena escala).

Cabe ao geólogo o conhecimento e capacidade de articular essas diversas fontes e, através de seu expertise, extrair o máximo de informações para as suas inferências.

Na área do petróleo, as dificuldades enfrentadas pelos profissionais podem ir além dessas relatadas. A depender da campanha e escopo do projeto, a escassez de informações, ou eventuais problemas de aquisição, podem tornar o uso de determinados dados inviável.

How Do We Actually Find Oil?. Geological Modeling for Dummies | by Erik  Engheim | Medium
Modelo Geológico

É tarefa do profissional saber quando usar, ou descartar, alguma informação discrepante, bem como mensurar/inferir o risco dessa atitude para o sucesso das etapas seguintes.

A construção da história: o modelo geológico

Colocada aqui como um progresso simples em etapas, nos estudos realizados é muito comum a constante arualização dos produtos em virtude de nova aquisição de dados e/ou desenvolvimento de conceitos utilizados.

Em termos de aquisição, a dinâmica estabelecida é a de coleta de informações a partir de necessidade, visando a melhor representação de setores da área estudada. Esse processo é análogo ao trabalho de legistas e médicos forenses, que aguçam suas observações e métodos sempre que mais informações são necessárias.

Em relação ao conteúdo teórico abordado, nota-se uma dinâmica diferente, com outros personagens envolvidos. Para a construção de um modelo de determinada área investigada, é altamente recomendado que exista, pelo menos na mente do geólogo, o chamado “modelo conceitual”.

Por definição, esse personagem é a própria definição de modelo (“imagem mental simplificada e idealizada, que permite representar, com maior ou menor precisão, o comportamento de um sistema”), desenvolvida para representação de determinadas condições em âmbito genérico.

Essa “entidade” deve habitar o imaginário do geólogo desde o início dos trabalhos, pois ela subsidia, como coadjuvante, decisões relacionadas a identificação de alvos, campanha de perfuração e amostragem, mas, a depender de grau de evolução, deve ser mutável, e agregar informações conforme o progresso das investigações. 

De maneira informal, diz-se que um modelo geológico deve habitar a cabeça do geólogo antes de estar impresso em mapas ou seções ortogonais. Ele é produto de uma vasta biblioteca imaginativa que o profissional deve ter (adquirido com muito estudo, experiência e habilidade de observação), atrelado a sua sensibilidade em reconhecer as informações adquiridas como parte naturalmente integrante daquele sistema proposto (e não “torturar” os dados para que “caibam” no modelo).

Usando outros termos, os modelos conceituais são “escoras” de uma hipótese formulada. Eles devem explicar, através de conceitos científicos razoavelmente estabelecidos, as questões levantadas (disposição de geocorpos, padrões estratais, zoneamentos litológicos, etc…).

Quando se torna ao exemplo do detetive, o “modelo geológico” diz respeito ao relato hipotetizado por ele sobre as sucessivas ações decorridas naquele ambiente, em determinado intervalo de tempo. É nessa hora que as informações são encadeadas seguindo uma lógica (conhecida, ou elucidada pelo profissional), e tem-se o provável desfecho do caso; já o “modelo conceitual” está atrelado ao expertise do investigador, desenvolvido ao longo dos anos de trabalho e observação de diversos casos parecidos.

É essa percepção refinada do profissional que o faz apto a verificar semelhanças, determinar diferenças, e remodelar, conforme necessidade, a sua “hipótese genérica”.

Modelo geológico: verdade absoluta?

Pela própria definição de modelo, é possível identificar que esses não são, e nem devem ser, considerados como a realidade, ou seja, há uma chance ENORME do objeto de investigação ser muito pouco semelhante ao modelo proposto.

Essa afirmação é chocante, mas carrega consigo a realidade necessária para entendermos o conceito de que modelos não são corretos… modelos são funcionais!, que significa, basicamente, que não há representação certa ou errada… todas estão erradas, mas há aquelas que conseguem explicar, de maneira mais contundente, os dados disponíveis.

Outra questão altamente relacionada a isso é a de que, conforme mais dados são adquiridos, melhor amostrado é o alvo e, quanto maior o seu conhecimento, maior complexidade é adicionada (complexidade que é o oposto ao âmago da definição de “modelo”). Essa dinâmica é grande responsável pela defasagem de modelos, e a necessidade de periódicas revisões.

Modelos geológicos são a forma mais palpável de visualizarmos nossos objetos de estudo. Eles representam o encadeamento lógico dos dados adquiridos, regidos por princípios naturais conhecidos e materializados nos ambientes geológicos (seja através de experimentações, observações de eventos, ou mesmo análise de análogos).

Devem ser usados com cautela, a partir de um desenvolvimento responsável e em consoância com as informações levantadas. Quando aplicados a questões da indústria, têm a proposta de prover as melhores soluções possíveis, através de seu caráter preditivo, orquestradoras das decisões exploratórias e explotatórias das etapas seguintes.

3 comments

Que maravilha este texto, caro Matheus. A analogia com o legista e o detetive está perfeita. Só gostaria de contribuir dizendo que o geólogo é capaz de ler a historia dos eventos naturais através das evidências apresentadas pelas rochas. Meio que decifrando um hieroglifo escrito pela Mãe Natureza.
Parabéns!

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