Porosidade: a ilustre desconhecida

Porosidade: a ilustre desconhecida

Este é um artigo de cunho informativo. Não tem a pretensão de abordar o tema com a formalidade e rigor científicos como em trabalhos acadêmicos

Perseguida por alguns, desprezada por outros, ignorada pela maioria… A porosidade é uma importante característica de rochas hospedeiras de muitos recursos minerais. Essa “ilustre desconhecida” da maioria da população não recebe os créditos que merece por ser um dos pilares de sustentação de grandes acumulações de recursos essenciais ao desenvolvimento da sociedade.

A importância da porosidade na indústria dos hidrocarbonetos

Tome por base uma acumulação de petróleo. Ela é a materialização de um sistema petrolífero completo, em que todos os seus componentes são orquestrados em um arranjo espacial e temporal perfeito, capaz de “amadurecer” um tipo específico de matéria orgânica, preservada da degradação, gerando petróleo, que migrou por condutos e camadas altamente permeáveis (abordaremos essa característica com mais detalhes em breve!), e acumulou em uma configuração espacial de rochas com capacidades hidráulicas distintas, chamada popularmente de trapa (ou armadilha).

Superados todos os desafios de gênese e migração do hidrocarboneto, a acumulação de fato se forma quando o petróleo (mistura de hidrocarbonetos de cadeias diversas e, portanto, menos denso que a água) encontra um local para se alojar (a rocha-reservatório), e uma antepara que impeça sua ascensão (a rocha selante).

Croquis esquemáticos povoam livros e conteúdos digitais com uma ilustração demasiada simplificada desses componentes do sistema petrolífero. Não há uma pessoa que, no auge de sua curiosidade acerca da exploração de petróleo, não se deparou com esquemas “geológicos” que representem os elementos rochosos do sistema petrolífero como depósitos tabulares (as populares “camadas de bolo”), e particularmente os estratos reservatórios como grandes “piscinas de óleo” ocupando extensas áreas do subsolo.

Ora, para os leitores menos versados em geologia do petróleo, um dos grandes mitos dessa área ganha sustentação, que é o de que “o petróleo está em grandes cavernas debaixo da terra. Mas, se o petróleo estivesse alojado de maneira tão simples, como uma bebida gaseificada a espera do rompimento do lacre, onde estaria grande parte das dificuldades em produzi-lo?

O fato é que o petróleo não ocupa grandes espaços vazios, cavernas monstruosas, ou cisternas desenhadas para esse fim. Ele está em diminutos “buraquinhos”, chamados de “poros”. A analogia perfeita de um (tipo de) sistema poroso é imaginar uma esponja, só que invertida (a parte sólida da esponja seria a porosidade, e os buraquinhos na esponja seriam as diferentes fases minerais).

Figura 02: a esponja ilustra bem a relação entre espaços vazios e “não-vazios” (sólidos), porém em uma situação inversa a que normalmente ocorre em rochas reservatórios. Infelizmente para fins de recuperação do hidrocarboneto, mas para o delírio de geocientistas, a disposição espacial de poros e da matriz sólida da rocha são altamente variáveis, e suas complexidades podem estar refletidas na capacidade de produção do hidrocarboneto

Um poro é, por definição, um espaço vazio que compõe a rocha. Ele é resultado da interação de diferentes processos geológicos, e tem relação temporal e espacial com as diferentes fases minerais alí presentes. A depender do tipo de rocha e do seu contexto de formação, esse conjunto de poros é mais, ou menos, significativo, mais, ou menos, conectado, e mais, ou menos, efetivo.

Essas propriedades citadas (representação volumétrica, conexão entre câmaras porosas, e distribuição espacial), somadas ao levantamento geométrico das formas dos seus elementos (câmaras porosas e suas conexões) e às relações paragenéticas com as diferentes fases minerais caracterizam o “sistema poroso” de uma rocha, que nada mais é do que a organização dos seus espaços vazios.

Figura 03: Investigações microscópicas visam compreender, através de interpretações petrogenética, como a porosidade se desenvolveu nos diferentes tipos de rocha. Essa história evolutiva pode ganhar traços complexos, a depender da litologia e da história diagenética a qual o a rocha foi submetida. O trabalho petrográficos é instrumento essencial para esse entendimento, e fomento de interpretações e insumos para os modelos estáticos. (Arenito visto em uma seção fina da rocha sob o microscópio. A escala é igual a um milímetro. Fonte: KGS Petróleo)

Os poros que alojam os hidrocarbonetos

Não… não se extrai óleo de grandes buracos (salvo raríssimas exceções!). “O buraco é bem mais embaixo”

O hidrocarboneto se aloja nos poros, frequentemente associado a outros tipos de fluidos. A sua migração, seja para ocupar esses espaços, ou para a produção de petróleo, se dá através de uma propriedade chamada “permeabilidade”, tensor que mede a capacidade de determinada substância fluir, quando aplicado um diferencial de pressão (não coloquemos “matematiquês” aqui!).

Enquanto que a porosidade condiciona a quantidade de hidrocarboneto contida em determinado volume de rocha, a permeabilidade, em linhas gerais, exprimi a capacidade que esse reservatório tem em produzir petróleo, ou seja, o quão efetivas são as conexões entre câmaras porosas (chamadas comumente de “gargantas de poros”) no sentido de permitir o escoamento dos fluidos.

Estudos dedicados a caracterização da porosidade são diversos, e utilizam de abordagens distintas. Alguns evoluíram e tornaram-se referência por décadas, por contribuírem, de maneira efetiva, no entendimento da distribuição da porosidade.

Atualmente, o advento de tecnologias associadas a IA e desenvolvimento de ferramental abre um leque de possibilidades de estudo com a criação de digital twins e softwares de análise qualitativa e quantitativa, dados que, quando somados às interpretações paragenéticas clássicas, adquirem enorme valor no entendimento da gênese da porosidade.

Entender os processos geológicos que delinearam a arquitetura da porosidade é, de certa forma, ganhar preditibilidade quanto a disposição espacial e temporal desses sistemas. Transferindo isso para áreas de aplicação, como a geologia do petróleo, entender as nuances de um sistema poroso de rochas reservatório concede a capacidade de, por exemplo, obter estimativas mais apuradas quanto ao volume de óleo contido (VOIP – Volume de Óleo In Place), insights quanto a capacidade de escoamento do hidrocarboneto (que impacta diretamente no Fator de Recuperação do reservatório), e na extensão volumétrica do reservatório (“até onde as condições geológicas que formaram esse reservatório atuaram, em termos areais e temporais?”).

Há, ainda, uma infinidade de variáveis que condicionam a produção do hidrocarboneto, essas que são identificadas, estimadas e tratadas através de diferentes ensaios que caracterizam as condições de reservatório e a natureza dos fluidos, mas compreender a “arquitetura” dos poros é fundamental para que, de fato, a compreensão das propriedades permo-porosas seja integral.

Por fim, ao se deparar com trabalhos de caracterização de reservatórios, documentários sobre a exploração de hidrocarbonetos, ou mesmo quando encher o tanque do carro, lembre-se de que os combustíveis fósseis, e tantas outras substâncias que sustentam o desenvolvimento da sociedade, possuem uma longa cadeia de eventos e transformações no currículo.

Como última parte dessa “viagem”, estiveram alojadas, sob grande pressão, em pequenas cavidades, essas conectadas por gargantas tortuosas, distribuídas espacialmente de formas diversas, e resultantes de uma sucessão de processos deposicionais e diagenéticos que formaram e modificaram depósitos (em sua maioria) sedimentares, e revelam, para os que sabem ler, pequenos fragmentos da dinâmica terrestre.

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