Captura, utilização e armazenamento de carbono para um futuro sustentável

Captura, utilização e armazenamento de carbono para um futuro sustentável

A captura, utilização e armazenamento de carbono, da sigla em inglês CCUS, é um conjunto de ações que visa reduzir os gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera a partir da inserção de CO2 em formações geológicas.

Compreender a importância desta tecnologia é essencial para atingir metas de net zero, mitigar os efeitos das mudanças climáticas e avançar com a transição energética. Para saber mais sobre este assunto, continue conosco!

Mudanças climáticas: o gatilho para um novo cenário global

Nos últimos séculos a sociedade vem observando o desenvolvimento exponencial de tecnologias. Entretanto, tal desenvolvimento demanda abundância de recursos.

Dentre os vários recursos necessários, destacam-se os não-renováveis, que possuem um papel importante na geração de energia. Deste modo, petróleo, gás natural e carvão vêm sendo utilizados de maneira contínua por décadas.

Este uso desenfreado gerou uma consequência severa: o aumento do efeito estufa, que eleva a temperatura global e o nível dos mares.

O volume significativo de GEE na atmosfera é decorrente da ação antrópica. Este fato revisita questões a respeito da responsabilidade da sociedade (governos e grandes indústrias) pela emissão de gases.

Tais observações ao longo dos anos resultaram na discussão sobre o antropoceno, que visa oficializar, ou não, um novo período na tabela geológica caracterizado pela influência humana na Terra.

CCUS, a ferramenta para a diminuição do efeito estufa

A partir do momento em que as consequências negativas dos gases de efeito estufa foram reconhecidas, surgiu-se a preocupação em desenvolver técnicas que pudessem remediar tamanho dano.

Assim, foi criado o conceito de captura e armazenamento de carbono. Como dito anteriormente, esta técnica consiste em estocar CO2 em formações geológicas. Da mesma maneira que fluidos, como óleo e gás, são armazenados de maneira natural, o dióxido de carbono pode ser retirado da atmosfera e injetado em reservatórios.

Apesar de parecer minucioso, o que certamente é, este método vem sendo feito na indústria do petróleo por longos anos. Esta técnica é chamada recuperação avançada de petróleo (EOR, da sigla em inglês).

Figura 1- Representação esquemática da recuperação avançada de petróleo. Fonte: Atlas Brasileiro de captura e armazenamento geológico de CO₂ (2016)

Muitas vezes, poços depletados ainda possuem quantidades significativas de óleo, o qual não pode ser retirado nos estágios finais. Porém, a injeção de CO2 no reservatório permite dar continuidade à exploração ao mesmo tempo em que o gás é estocado.

Sabe-se que as reservas de hidrocarbonetos são ricas em dióxido de carbono, assim, a prática de EOR não só aumenta a vida do poço como também impede que grandes quantidades do composto sejam lançadas na atmosfera.

Processos do CCS

Para que o CCS seja colocado em prática são necessárias algumas condições específicas. Afinal, este processo é complexo e demanda investimento, logística e redução de custos.

O primeiro passo para CCS é a escolha de uma fonte estacionária. Fontes estacionárias são indústrias que emitem muito CO₂. Assim, nesses locais o gás pode ser capturado de maneira direta.

  • Captura

A etapa de captura envolve procedimentos de engenharia química que separam o CO₂ de outros gases, como o hidrogênio, por exemplo. É comum o uso de solventes para a separação do composto. Dentre eles, destaca-se a amina, responsável por absorver o dióxido de carbono.

Uma fonte estacionária que tende a crescer para projetos de captura são as plantas de bioenergia, geralmente responsáveis pela produção de etanol e termelétricas a biomassa. A biomassa é rica em C, e quando é queimada, produz CO₂.

Estes locais se caracterizam por utilizarem de fontes renováveis para CCS, sendo identificados com BECCS – Bioenergia com captura e armazenamento de carbono.

Figura 2 – Processos no BECCS. Fonte: Liam McGill

Apesar da captura ser usualmente feita em fontes emissoras, atualmente destaca-se uma nova metodologia, o DAC, do inglês Direct Air Capture (captura direta do ar). No DAC, o ar é capturado e o CO₂ contido neste é dissolvido em água para posterior armazenamento.

O DAC é necessário pois os níveis de emissão de CO₂ são tão altos que não basta apenas injetar o gás em reservatórios, mas retirar as quantidades lançadas na atmosfera em emissões anteriores.

Figura 3 – Orca Carbon Capture: planta de DAC instalada na Islândia. Fonte: Climeworks

Este método de CCS enfrenta alguns desafios, afinal o custo e a quantidade de energia necessários são maiores do que para fontes fixas, visto que o dióxido de carbono contido no ar se encontra mais dissolvido do que nos gases emitidos.

  • Transporte

O transporte é responsável por levar o CO₂ já capturado até o local de armazenamento.

O transporte de CO₂ pode ser realizado por meios já conhecidos, como gasodutos, navios, tanques e trens. Entretanto, esse gás precisa estar em um estado supercrítico, ou seja, níveis de pressão e temperatura específicos que permitam realizar seu transporte e posterior injeção da maneira correta.

  • Armazenamento

O armazenamento é realizado em uma formação geológica previamente estudada, a qual apresenta boas características de aprisionamento, como armadilhas e rocha selante.

O CO₂ é injetado como um fluido, geralmente a partir de profundidades de 800 m. Para que este processo seja bem-sucedido, são necessárias duas características importantes: porosidade e permeabilidade. A porosidade é essencial, pois é nos espaços entre os poros que o dióxido de carbono irá se alocar. Já a permeabilidade permite que o fluido percole de maneira eficiente na rocha.

Métodos de armazenamento de carbono

Agora que os processos de CCS foram elucidados, é possível explorar as diferentes formações geológicas capazes de atuar como armazenadoras.

Reservatórios de óleo e gás

Estes são os locais de armazenamento mais conhecidos para CO₂. Os reservatórios de óleo e gás apresentam excelentes condições de porosidade e permeabilidade, visto que antes continham o petróleo.

Outro benefício de armazenar CO₂ nestes locais é que devido à indústria petroleira, há uma quantidade significativa de dados sobre poços, reservatórios e litologia.

Figura 4 – Plataforma petrolífera. Fonte: Divulgação/ANP

Também cabe lembrar que devido à prática de EOR, armazenar carbono nestes poços não só contribui para a redução de GEE como também aumenta o lucro de reservatórios maduros ou depletados. Esta prática é realizada pela Petrobrás desde 2008. Dados mostram que em setembro de 2021 o total de CO₂ reinjetado até o momento era de 28,1 milhões de toneladas.

Logo, a indústria do petróleo se beneficia com sua tecnologia de ponta para consolidar práticas eficientes de CCS.

Formações salinas profundas

Assim como reservatórios de óleo e gás, depósitos salinos são compreendidos como ótimos reservatórios para CCS.

A alta salinidade resulta na dissolução do CO₂, processo conhecido como aprisionamento iônico. Logo, o dióxido de carbono permanece armazenado através da solubilização.

O aspecto negativo deste tipo de reservatório é que faltam informações sobre essas formações.

Rochas máficas/ultramáficas

O armazenamento de carbono em rochas máficas utiliza do princípio de aprisionamento mineral. Este tipo de rocha é rico em Ca, Fe e Mg. Tais elementos, ao fazerem ligações com o C, podem gerar carbonatos.

Figura 5- Registro do projeto Carbfix: mineralização de carbonatos em rocha máfica. Fonte: Sandra O Snaebjornsdottir

Logo, o CO₂ capturado na atmosfera é armazenado em estruturas cristalinas. A carbonatação se classifica como uma alternativa viável para o CCS, sendo possível que mineralizações ocorram em uma curta escala de tempo após a injeção do fluido na rocha.

Este método se destaca porque assim como as bacias sedimentares, rochas vulcânicas são abundantes na superfície da Terra, o que facilitaria o processo de encontrar reservatórios para CO₂ em locais propícios para seu transporte.

Desafios para aplicação de CCUS no Brasil e no mundo

Ao longo de alguns anos surgiram projetos que buscam validar os melhores meios para capturar e armazenar dióxido de carbono, assim como explorar barreiras tecnológicas e industriais, reconhecendo novos reservatórios e difundindo a importância desse método.

Por exemplo, na Islândia destaca-se o Carbfix. O projeto iniciou-se no ano de 2006 e procurava descobrir a viabilidade de estocar CO₂ através de carbonatação em basaltos.  Foram dez anos de pesquisa até que em 2016 fossem publicados os resultados que atestavam a eficiência do método. Além da Islândia, a empresa conta com 14 projetos ao redor do mundo, em países como Alemanha, Itália e Londres.

No final do mês de maio, o primeiro-ministro de Portugal visitou as instalações da Carbfix, localizadas em Hellisheiði, uma planta de energia elétrica e CCS. No mesmo mês também foi notificada a visita do presidente da Suíça. Esses encontros demonstram a importância da colaboração global para a implementação desta tecnologia.

Figura 5 – Hellisheiði, planta de energia elétrica. Fonte: Carbfix (2021)

Atualmente, os Estados Unidos são o país com maior número de projetos em operação, totalizando 21 casos (2022). Este número se deve as políticas que o governo americano vem instaurando.  O Inflation Reduction Act é um pacote de leis que visa o investimento na produção de energia dentro do país e na transição energética.

Já no Canadá destaca-se o projeto Quest, liderado pela Shell. A previsão é de captura de 1 bilhão de toneladas de CO₂ por ano.

O Brasil segue na corrida para implementar projetos de CCUS. Neste ano foi lançado o primeiro relatório anual de CCS no Brasil.

Este documento conta com diversas informações como, por exemplo, os maiores emissores de CO₂, reservatórios geológicos favoráveis e projeções econômicas. É previsto que em um cenário otimista a tonelada de CO₂ valha U$D 100,00, o que arrecadaria 20 bilhões de dólares por ano com receitas de CCS.

Também é estimado que o país possui a capacidade de armazenar cerca de 200 milhões de toneladas de CO₂ por ano.

A implementação do mercado de CCS no Brasil depende de vários fatores, principalmente de incentivos econômicos e regulamentação oficial. Assim, os autores citam 6 pontos estratégicos para o avanço de CCS no país.

Figura 6 – Pontos estratégicos para a implementação de CCS no Brasil. Fonte: 1º Relatório Anual de CCS no Brasil (2023)

Em 06 de junho de 2023 foi aprovado pela Comissão de Infraestrutura do Senado o PL 1.425/2022, o qual visa estabelecer o marco legal para armazenamento de carbono. Esta proposta também traz discussões a respeito de incentivos para o desenvolvimento de CCS. Agora, o PL 1.425/2022 segue para a etapa de análise, que ocorre na Comissão de Meio Ambiente.

Ainda é preciso lidar com complicações de logística, dado que as regiões sul e sudeste concentram os maiores emissores de CO₂, assim como condições favoráveis (transporte, infraestrutura). Apesar disso, é preciso ampliar esta conjuntura para outras áreas do país, garantindo assim o aumento da capacidade de captura e armazenamento.

Igualmente, é necessário que ocorra a precificação do carbono e regulamentações técnicas que instaurem os princípios de CCS no Brasil.

Veja abaixo os locais no Brasil propícios para armazenamento de carbono:

Figura 7 – Ilustração sobre os potenciais reservatórios de CO₂ no Brasil. Destacam-se a Bacia do Paraná e a Bacia de Campos por possuírem diversidade de formações geológicas e infraestrutura para projetos de CCS.

De modo geral, todos os países lidam com dificuldade nas indústrias hard-to-abate, que nada mais são do que setores que precisam do dióxido de carbono em seus processos, como na produção de aço e cimento.

Por fim, é importante ressaltar que o CCS é uma atividade que se confirmou segura e eficaz. Além disso, a longevidade desses projetos vai além da captura e armazenamento, mas engloba o monitoramento constante do reservatório. Ainda, quando não armazenado, o CO₂ pode ser utilizado na indústria para produção de plástico, concreto ou eletrocombustível.


Referências

KETZER, J. M. M. et al. Atlas brasileiro de captura e armazenamento geológico de CO₂. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016.

MACHADO, C.X; ROCKETT, G. C; KETZER, J. M. M. Brazilian Renewable Carbon Capture and Geological Storage Map: Possibilities for the Paraná Basin. Energy Procedia, 2013. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/272477507_Brazilian_Renewable_Carbon_Capture_and_Geological_Storage_Map_Possibilities_for_the_Parana_Basin> . Acesso em 22 de maio de 2023.

CCS BRASIL. 1º Relatório Anual de CCS no Brasil. 2023. 42 p.

SNAEBJORNSDOTTIR, S.O. et al. Protecting our climate by turning CO₂ into stone. 2021. Disponível em: <https://kids.frontiersin.org/articles/10.3389/frym.2021.579895#:~:text=Currently%2C%20about%2012%2C000%20tons%20of,about%206%2C700%20cars%20%5B3%5D>. Acesso em 25 de maio de 2023.

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